DEPOIS DA BUSCA

Olha para o mar e sente-se melhor. O vento refrescante da noite leva o pensamento, ultrapassa o horizonte e vence as nuvens. A música e risos ao redor nada significam: são apenas melodias que acalmam. Não está só, mas a companhia está ali como qualquer outro ser invisível.

Entre ruídos de ondas e gaivotas, o pensamento continua a viagem. Mergulha, salta e grita. Chama um sentido. Um alguém. Um nome. Um temor a desequilibra. Algo a faz perder a razão… é a angústia de uma falta que naquele instante vem como um vulto poderoso a lhe perseguir… Uma luz… Um sossego… A ilusão de que seria Guilherme. Sente aquela respiração e perde o contato com o presente.

Absurdo? Não importa. Era quem queria imaginar. E com ele veio o passado. O melhor do convívio. O sabor da pele. O poder da voz. O prazer dos corpos juntos. O hálito na nuca. 

Veio a força positiva… o bom de saber que seus caminhos um dia se cruzaram. Foi valorizada. Acha que até amada. Veio aquela sufocante sensação de perda. Coisas que o destino não explica, somente lamenta e chora.

Disfarça. Uma lágrima ameaça denunciar por onde anda o pensamento. Engole. Espera. Olha para o lado e sorri. Volta ao presente e decide o que fazer. Esquecer? Não pode. Foi bom demais para deixar de lado. Será adormecido. Guardado num compartimento para ser resgatado nas horas de saudade. Há outras coisas para conquistar. Ela e seus ideais são mais importantes que qualquer sentimento por ele. 

Daquele dia, Carolina deixou de ser a Cora de Guilherme e não mais sonhou. Cansou disso. Apenas viveu as lembranças e as possibilidades do que sobrou. Também não disse mais que o amava, repetir seria aumentar a dor. Decidiu partir sem mais tentar entender porquês. Depois de tantas cumplicidades seria pedir demais. 

Carolina partiu. Conheceu outras paisagens e de jovem apaixonada virou mulher consciente de suas buscas. Outros homens passaram sem permissão de deixar marcas como as de Guilherme.  

Agora, em frente ao mesmo mar de anos atrás, percebe que foi só o tempo que passou. As ondas e a música pareciam as mesmas. E eram. Melodias que despertaram tantas coisas passadas. Estava ali, ao lado da neta adolescente, apreciando o carnaval no calçadão à beira-mar… aquele mesmo carnaval…

Carolina olha em volta. Suspira e deixa de lado o que restou do pensamento. Levanta. Dança. Acha graça. Já é tarde. Vó e neta retornam vagarosamente de braços dados sob marquises, sob luar. Ao deitar-se, Cora beija delicadamente a face enrugada de Guilherme e adormece.  

Nota de rodapé: 

Homenagem in memoriam aos meus bisavós maternos, Guilherme e Carolina. Não os conheci e são poucas as lembranças contadas por minha mãe, mas sempre achei seus nomes perfeitos para fazê-los personagens.  Recorte publicado no Livreto: Nada tem Nome (Formação de Escritores SESC/Rio do Sul, 2008). 

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