O Flipomerode nos colocou frente aos livros, personagens e interpretações sobre o mais popular autor de língua alemã. A literatura brasileira também ocupou o palco com provocações, poesia e graça.
Ver, ouvir, ler e sentir um pouco de Kafka no Festival Literário Internacional de Pomerode. E sentir talvez seja o que primeiro me ocorreu, antes mesmo de chegar ao evento. Isso pelo fato de ter ficado preso no banheiro do quarto da pousada graças a uma fechadura emperrada. Poderia ser um bom começo de romance kafkiano, já que as obras que conheço do autor me parecem ter como um dos temas os pequenos e os grandes absurdos que permeiam a nossa vida. É assim que Gregor Samsa acorda transmutado em um inseto ou que Josef K acaba preso porque “alguém certamente o havia caluniado”. Não fosse esperar a ajuda do recepcionista, o que faria eu ali naquela “repentina prisão”? Transmutar-me em um inseto e sair voando pela janela?
Uma curiosidade que aprendi é que Kafka achava seus textos bem-humorados. Quando tentou ler o primeiro capítulo de O processo para Max Brod, riu tanto “que, por um tempo, não conseguiu continuar lendo” (citação de Brod na exposição Komplett Kafka à mostra no Festival e que é uma produção do Goethe-Institut em homenagem ao autor. A mostra é composta pelas belas gravuras do cartunista austríaco Nicolas Mahler).
Experiências kafkianas à parte, o Festival foi especial, até mesmo com o frio e a chuva que se acentuaram ao longo da passagem de sábado para domingo, 14 e 15 de setembro de 2024. Que surpresa foi assistir Aline Bei no palco principal, tão assertiva na sua fala quanto na sua escrita em O peso do pássaro morto. A autora participou da mesa Entre linguagens com Ricardo Aleixo, escritor e multiartista que trouxe verdades necessárias a lidar, como o fato de pouco valorizarmos um dos maiores poetas simbolistas da história: o catarinense Cruz e Souza. Aleixo também nos questionou sobre o humano com sua poesia numa leitura de improviso e ainda assim bastante performática. A mesa literária ainda foi composta por Estrela Leminski. A escritora e musicista desdobrou sua ancestralidade, a histórias das mulheres e propôs que a família é como nosso primeiro palco – um lugar desafiador quando esse palco foi habitado por ninguém menos que Paulo Leminski, no caso dela.
Já na mesa Anatomia de um romance, Natalia Timerman, Joca Reiners Terron e Bernardo Carvalho fizeram algumas provocações, como qual o papel da arte literária frente à IA e aos limites da autoficção.
Outro momento especial foi a contação de história bilíngue A Troca. Leticia Liesenfeld fez muita história com pouco recurso cênico. Sensibilidade no contar o enredo baseado em A Fantástica História de Peter Schlemihl, do autor alemão Adelbert Von Chamisso. E força narrativa movendo a jornada do “homem sem sombra” entre o português e o alemão.
De uma forma ou de outra, quem falou no festival ressaltou que temos um grande desafio: o de achar um lugar no mundo, individual e coletivamente, e tornar a vida viável sem comprometer outras formas de existência.
O Flipomerode e os dois dias na cidade foram especiais pelas grandes histórias, as provocações para releituras de Kafka e Aline Bei, para a leitura de As pequenas chances e Pesado demais para a ventania: antologia poética. Especiais também por pequenas coisas não menos importantes, como as delícias da comida, a cerveja alemã e o charme de Pomerode.
Prosit, Kafka!
Registros do Flipomerode feitos por Sônia Regina e Tiago Amado.
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