A chuva, o frio, o sol e a literatura que aquece os encontros

Os livros, o teatro, a música, o cinema e outras linguagens artísticas colocaram boas histórias no palco da Feira do Livro de Rio do Sul.

“Olho para a chuva que não quer cessar

Nela vejo o meu amor

Esta chuva ingrata que não vai parar

Pra aliviar a minha dor

Eu sei que o meu amor pra muito longe foi

Numa chuva que caiu

Oh, gente! Por favor pra ela vá contar

Meu coração se partiu”…

Foi assim, com a música O ritmo da chuva ao som de voz, violão e teclado, que Fernanda Takai encerrou o bate-papo literário no palco da Feira do Livro de Rio do Sul 2024. Cantora, compositora, multi-instrumentista e escritora, ela mostrou porque é uma das grandes artistas brasileiras. Beleza na música e nas palavras, simpatia, simplicidade, carinho com o público e a desenvoltura de quem se sente à vontade em escrever canções, contos, crônicas e histórias infantis. A chuva, aliás, também foi uma personagem da feira. Passou forte em alguns momentos, trouxe frio, ameaçou com a subida do nível do rio, e depois deu espaço para o sol e o calor no último dia do evento, compondo uma variação climática bem típica da cidade.

Fernanda Takai se apresentou com a tecladista Camila Lordy. Contou sobre o início da sua experiência como cronista de jornal em Minas Gerais e situações cotidianas com a filha Nina que inspiraram a escrita do livro O cabelo da menina (obra com ilustrações de Ina Carolina e vencedora do Prêmio Jabuti em 2017). E se não deu tempo para aprender mais sobre os livros e a escrita literária da artista, o público pode conhecer ou relembrar muitos momentos e conquistas dela com a banda Pato Fu. Fernanda Takai tocou e cantou músicas da carreira solo, outras de suas parcerias e versões de Tom Jobim que ela apresentou entre uma conversa e outra.

Assim como a participação de Fernanda Takai, a presença do escritor e roteirista Raphael Montes também lotou o teatro da Fundação Cultural. O artista se mostrou à vontade no palco. Carismático, divertido, conversando com o público, Raphael Montes representa bem o perfil de escritor da era multimídia e de redes sociais. Grava vídeo no palco, tira selfie com o público, responde e pergunta diretamente para os leitores.

Raphael Montes falou sobre o desejo de contar histórias que surgiu na adolescência e o levou a escrever o romance Os Suicidas enquanto cursava Direito. Fez uma conversa leve e descontraída, motivando risos e aplausos do público. Falou sobre o processo criativo, referências do cinema, da literatura, da televisão e sobre a composição de livros como Bom Dia, Verônica, Dias Perfeitos, Jantar Secreto, Uma Família Feliz, entre outras. Afirmou que escreve romances policiais, com histórias que envolvem crime, violência, sangue, sem deixar de abordar temas atuais.

Violência na literatura é algo que pode até assustar, sim, mas para Raphael Montes é como uma forma de desvendar um pouco do humano. Isso porque ele mesmo citou o também escritor Alberto Mussa, que afirma que para conhecer verdadeiramente uma sociedade é preciso conhecer os seus crimes. Montes também defendeu a liberdade da literatura como expressão artística que não deve dar “lição de moral”, mas sim estar comprometida com a intenção de contar boas histórias, ter enredos impactantes e personagens complexos.

Outro nome de destaque na feira foi o escritor e tradutor Daniel Galera. No bate-papo ele falou sobre o início da carreira nos anos 1990, quando o acesso a internet ainda era limitado e suas escritas circulavam por e-mail e blogs. O autor também falou sobre o processo de criação do livro Barba ensopada de sangue a partir de um período vivido em Garopaba – lugar onde se passa o enredo da obra.

Galera também falou das relações de seus livros com o cinema, já que quatro deles tiveram alguma adaptação para as telonas. Quando perguntado por que boa parte de suas histórias motivaram criações na sétima arte, ele foi sincero em dizer que não sabe. É possível que livros como Barba ensopada de sangue, Cordilheira e Mãos de cavalo sejam bons porque nos colocam frente a situações limite de nossa existência pessoal. Situações que estão, de uma forma ou de outra, também relacionadas à nossa condição de seres inseridos em um meio natural, acolhedor ao mesmo tempo que desafiador e hostil. Nas três obras de Galera, por exemplo, há protagonistas ou personagens que fazem algum tipo de jornada por ambientes de natureza mais selvagem: mar, praia, mata, montanha…

Se a natureza nos habita, a Terra é nossa casa comum

Durante a feira, também foi lançado um livro que traz diferentes vozes ecoando em textos que de alguma forma tratam da natureza, da terra e do território. Terra, Nossa Casa Comum é um projeto coletivo com contos e poesias lançado pela Prosacult Editora e Produtora Cultural na Feira do Livro e com organização do escritor Johan Henryque.

Na obra tem um conto no qual imaginei uma cidade fictícia, um lugar que continua a “deitar-se sob as nuvens, fecundar o vale, acolher as águas em si e a ser, eternamente, território das memórias”. Um texto ficcional, claro, mas que parte do real, de uma ou muitas cidades que têm uma relação ancestral com os rios. Relação muitas vezes lembrada apenas nos momentos de catástrofe, como as cheias.

E tudo o que escrevi tem como base uma referência especial, o livro As cidades invisíveis, de Ítalo Calvino. É uma obra daquelas que mudaram minha concepção sobre a escrita, a própria literatura, e com histórias que ficaram ali, correndo por dentro da memória.

Um evento para reviver as memórias

A Feira do Livro de Rio do Sul durou seis dias, de 7 a 12 de outubro de 2024, celebrou o aniversário de 80 anos da Biblioteca Pública Municipal Nereu Ramos, o Dia das Crianças, marcou a memória, despertou lembranças. O evento cresceu ao longo dos anos. Nesta edição foram mais de cem atividades de teatro, música, dança, cinema, contação de história, exposições, oficinas, lançamentos de livros e bate-papos. Há vantagens e desvantagens no conceito e no tamanho atual da feira. Há limitações na estrutura cultural da cidade (algumas impostas pelas cheias, como a necessidade de reconstruir o Teatro Embaixo da Ponte, algo que, felizmente, está em curso), pois lembremos, por exemplo, que o evento já foi realizado no então parque universitário (também em reforma e obras de ampliação). Era lá essa grande festa das artes, no encontro dos rios, bem onde nasce o nosso ancestral Itajaí-Açu, cercado por um pouco de natureza. E mais uma memória: em 2016, o evento teve justamente como tema “Um rio de histórias”. 

O que se quer acima de tudo é que a feira siga em curso porque se consolidou como um importante evento literário em Santa Catarina. E pode ser uma das melhores se não deixar sua motivação principal: a nossa necessidade de ter encontros e reencontros, de pensar sobre o passado e sonhar com futuros possíveis através das histórias.

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