Mais um de Guilherme e Carolina

Naquela tarde fria à sombra e quente demais ao sol deixa a cadeira no gramado, guarda o livro e resolve arrumar a bagunça do escritório. Há meses havia prometido se desfazer de coisas velhas. Com todo cuidado para não estragar as unhas pintadas um dia antes – cor berinjela outono-inverno disse a manicure – iniciou por espanar o pó nas estantes.
Ao abrir uma gaveta entulhada de notas e contas pagas, Carolina redescobre uma pilha de agendas desfiguradas – já passadas da hora de serem recicladas. Uma delas, com o adesivo de um jornal extinto, lhe aperta o coração. Foi presente de Guilherme e trazia uma dedicatória de quase 30 anos atrás. “O tempo não para não. Viver é preciso. Feliz 96” e assinou com o apelido carinhoso que ela lhe deu. Ah! o tempo. Estava ali, jogado na cara como um tapa que diz: acorda pra vida garota idiota!
A agenda de 1996, é claro, transporta seu pensamento ao passado. A compromissos e endereços onde morou e trabalhou. A ruas, bairros e cidades onde esteve com ele. As marcas nas páginas trazem rascunhos, orçamentos e até recortes com o seu horóscopo.
Mas, não é só. Uma sensação esquisita de nó na garganta a faz sentar no assoalho de madeira apoiada à estante branca. A velha agenda fervilha nas mãos. Antes de jogá-la no grande saco preto de lixo percebe que algumas páginas foram usadas como um Diário.
A letra minúscula se perde entre desabafos e vestígios de lembranças. De forma desalinhada um “THE END” desponta no alto de uma página em fevereiro. Como se “FIM” fosse duro demais para escrever e aceitar. Havia passado sete dias de quando ele, nervoso, lhe disse ao tragar um cigarro – que estranhamente voltou a fumar depois de muitos anos, que os dois eram ótimos como amigos, não mais como namorados. Não admitiu mais do que isso.
E, agora lá está ela com aquela agenda lhe ofuscando a visão. Lê e sente cada frase pontiaguda. Mas, se recusa a chorar. Na verdade, por vezes, ri de si por ter insistido e amado tanto. Por vezes, se odeia por ter permitido passar por tudo aquilo. Ali, em mãos, há relatos de telefonemas intermináveis. De todas as vezes que não resistiram e voltaram a estar juntos em diferentes cidades. De como foi estranho senti-lo e se iludir de que nada havia mudado.
Um arrepio lhe contorce o corpo. Os ossos já começam a doer naquele chão ao lado do espanador empoeirado. O sol está se pondo. É melhor recolher os varais e fechar as janelas para evitar o sereno. Levanta daí Carolina! Vá tomar um banho e um vinho.
É melhor ouvir seu coração dizer que foi bom, mas é hora de dar um basta e ocultar de vez a saudade de Guilherme, mesmo que continue bem ali escancarada naquele entardecer.
(08/05/2021 – sábado – 15h40 – Rio do Sul/SC)
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