A Flip cresceu com vozes mais diversas e a cultura popular ganhando protagonismo

Paraty é uma cidade linda, até em suas próprias contradições. Tem a beleza das matas, do rio, do mar e da maré cheia que vez por outra toma parte das ruas do centro histórico. Tem beleza também na arquitetura antiga, nas cores das casas, nas igrejas, nas construções históricas e nas ruas feitas de pedra. Muitas delas colocadas ali ainda em tempos de colonização portuguesa e de escravização. A cidade é tanto uma mistura como uma síntese das complexidades históricas e atuais do Brasil. Há mais de duas décadas é também o lugar que sedia um evento literário que este ano trouxe para o palco autores e autoras que tratam justamente das belezas e dos problemas não só do país, mas também do mundo.
A programação da 23ª Festa Literária Internacional de Paraty, a Flip, apresentou muitas dessas questões históricas e da contemporaneidade em conversas, leituras, saraus, mesas literárias e, claro, livros. Entre as muitas falas, entendi que há um esforço da arte e da literatura para expandir nosso lugar, olhar e pensamento para o que ainda não foi dito ou escrito. Uma busca através da ciência, do imaginário do povo e das vozes de autoras e autores por novas relações com a história, a identidade, a natureza, a espiritualidade… sem deixar pelo caminho o direito ao encantamento.



A realidade é complexa, mas arte é insistência, persistência e fonte de inspiração
Já estive no evento uma vez, há mais de dez anos. Percebi dessa vez uma programação um tanto mais diversa, em seus escritores participantes e temas. Um evento maior, em uma cidade também mais inflacionada. Uma festa que poderia, sim, ser mais acessível, ainda que sejam perceptíveis esforços da produção para democratizar a programação – inclusive com a maior parte das atividades gratuitas com as casas e livrarias parceiras. Nesse sentido, o desafio para boa parte do público é certamente hospedagem, logística, a chegada à cidade, alimentação, etc.
O frio pela manhã e à noite na cidade foi o mesmo de 2012. As filas das atividades, agora muito maiores e mais disputadas. Mas foi motivador ver mais espaço e protagonismo para a cultura popular, a literatura escrita por mulheres, por imigrantes, por autores negros. Debates sobre as questões ambientais, de identidade, gênero, guerras, sem esquecer das relações da literatura com a filosofia, a religião, a ciência, a política e a educação.
Cada visitante faz a sua Flip entre dezenas de atrações e atividades. Vou compartilhar pelo blog outros conteúdos para tentar traduzir um pouco da experiência.
Por hora, lembro de uma das falas mais tocantes que presenciei, a participação da ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, no palco principal em conversa com a jornalista Aline Midlej (que aliás deu um show de mediação). Marina, uma mulher negra, alfabetizada aos 14 anos e com uma trajetória política tão relevante, afirmou ao público que a arte serve para expandir nosso lugar, nos levar para o espaço do impensável, do indizível. Que a política deve buscar novas formas de fazer-se na arte, na ciência, na literatura, na espiritualidade. “Arte é insistência, é persistência”, disse com firmeza, nos incentivando a agir por mudanças porque, afinal, “quando a gente não se prepara para mudar, a gente é mudado”.
Marina Silva também lembrou um dos princípios da arte no qual acredito: aprender para transformar. Participar da Flip foi mais uma vez a oportunidade de reinagurar o encantamento com a arte e a literatura, de aprender e voltar para o meu lugar com vontade de expandir nossos espaços comuns de leituras, livros, arte e cultura.

Continue acompanhando para conferir os próximos capítulos dessa aventura!
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